Mesmo sendo um país emergente, dono da decadente e tímida 9º posição econômica mundial, o texto de Helio Jaguariba ainda cai bem no senário atual brasileiro. Após queda no PIB, consequência do baixo crescimento e da desvalorização do real, o Brasil sai da 6ª posição.
O
Brasil é uma sociedade ocidental latino-americana do Terceiro Mundo. Essa
dualidade entre a condição ocidental e a de país do Terceiro Mundo
constitui, em termos genéricos, a mais básica característica do Brasil.
Vinculada a essa condição se encontram muitos dos principais traços mais
relevantes do país. Assim, por um lado, sua elite de estilo europeu, em que se
destacam personalidades de alta qualificação internacional, em qualquer domínio
do saber e da técnica, contrastando, por outro lado, com a condição quase
asiática das grandes massas desassistidas, que percebem apenas uma fração da
renda nacional (12% para os 50% mais pobres) e não têm, praticamente, nenhuma
participação nos benefícios da civilização brasileira.
País
extremamente heterogêneo, apresenta dados estatísticos que, embora dotados de bastante
acuracidade, são pouco expressivos de sua realidade, porque exprimem meras
média aritméticas, por trás das quais se ocultam extraordinários contrastes.
Daí o urgente imperativo de um novo desenvolvimento econômico, que surja em
estreita correlação com um desenvolvimento social, apto a converter, com a
maior celeridade possível, as grandes massas marginais em uma população
produtiva e participativa, em todas as dimensões da vida nacional.
Esse
ingente e urgente imperativo de desenvolvimento econômico-social contrasta,
dramaticamente, com as condições recessivas a que o país foi conduzido, pela
conjuntura internacional dos últimos anos e pela política prescrita pelo Fundo
Monetário Internacional. O país necessita, prontamente, de enveredar por um
novo caminho, que o conduza a novas formas de desenvolvimento, compatíveis com
seu crescimento demográfico, com as demandas básicas das grandes massas e com a
restauração e o fortalecimento de sua autonomia interna e externa.
Defrontando-se
com crescente pressões internacionais, orquestradas pelas agencias que imprimem
unidade aos interesses dos países centrais, o Brasil necessita, imediatamente,
de elevar sua margem interna e externa de autonomia, reduzindo,
proporcionalmente, sua vulnerabilidade internacional. Num mundo de liberalismo
de mão única, em que países internacionalmente competentes estão protegidos ou
por sua condição de superpotência, ou por engenhosas concertações regionais, o
Brasil se encontra indefeso, esmagado pelo peso de sua dívida externa e
inibido, domesticamente, pelos aliados objetivos, dentro de nossa própria
cidadania, do imperialismo e do neocolonialismo dos países centrais, de adotar
as políticas defensivas de que imediatamente carece.
Acrescente-se,
por outro lado, que a particular situação do Brasil, como país já amplamente
industrializado, mas de forma, todavia, ainda incompleta, que carrega em seu
bojo gigantescas manchas de atraso e pobreza, faz de nosso país um caso
bastante singular, no cenário internacional. Estão nos sendo impostos os custos
de um desenvolvimento que ainda não ultimamos e nos estão privando dos
benefícios de um subdesenvolvimento que ainda não logramos superar.
Uma das
mais características consequências dessa ambígua dualidade da condição
brasileira é o fato de que nos encontramos, hoje, portadores de interesses de
ordem universal, que transcendem o paroquialismo doméstico e o próprio
paroquialismo regional, sem, entretanto, dispormos de recursos apropriados para
a defesa universal desses interesses.
O
Brasil é um país de cultura e de estilo de vida ocidentais, profunda e
irreversivelmente vinculado aos valores da tradição helênicocristãos. Somos e
queremos ser uma sociedade aberta, fundada no princípio da liberdade e da
racionalidade, aspirando a instituir uma igualdade básica entre todos os homens
e a nos organizarmos, politicamente, sob a égide de uma democracia social,
preservadora dos direitos individuais e zelosa da proteção dos interesses
sociais.
Confrontados
com o conflito Leste-Oeste, temos antes de tudo, de proceder a uma judiciosa
desagregação de valores e interesses, que preserve nosso compromisso com a
ocidentalidade sem nos envolver em qualquer satelitismo, que contribua para a
manutenção da paz e de um equilíbrio estratégico que evite o incontrolável
predomínio de qualquer das superpotências, sem perigosamente enfraquecer o
campo ocidental.
Confrontados
com imensas pressões externas, decorrentes de nosso excessivo endividamento e
de nossa continuada dependência de importação de petróleo a ser decisivamente
superada com as grandes , temos de reduzir, significativamente, nossa
vulnerabilidade internacional, se quisermos preservar e ampliar nossa autonomia
interna e externa. Mas temos de exercitar, com lucidez e determinação, a margem
de autonomia de que já dispomos, se desejarmos ampliá-la e reduzir nossa
vulnerabilidade internacional.
País
ocidental do Terceiro Mundo, somos profundamente solidários com o conjunto de
países que integram a este, notadamente os de nossa própria região, a América
Latina. Isto não significa que nossos esforços de desenvolvimento só possam ser
empreendidos em procedimentos conjuntos com os dos restantes países do Terceiro
Mundo ou da própria América Latina. Sem prejuízo das vantagens de um
multilateralismo bem entendido, como parâmetro defensivo dos interesses gerais
do Terceiro Mundo e, mais restritamente, da América Latina, o Brasil pode e
deve ter iniciativa autônoma e própria para a promoção de seu desenvolvimento,
adotando as políticas apropriadas para a consecução de tal objetivo.
O que
decorre de nossa consciente condição de país do Terceiro Mundo é a compreensão
de que nossos interesses devem ser formulados e defendidos em termos que, em
princípio, convenham, igualmente, aos demais países do Terceiro Mundo e da
América Latina, que disponham de condições semelhantes às nossas. E isto não
por razões de uma ética abstrata, mas por motivos de lúcida compreensão de
nossa própria realidade.
Não se
trata, por outro lado, de esperar pelos demais ou deles depender. Trata-se,
apenas, de não ceder à falácia de composições supostamente astutas com países
centrais, que se façam ao preço de trair os interesses gerais do Terceiro Mundo
ou da América Latina como se não fossemos estruturalmente membros desses mesmos
universos. É certo que o Terceiro Mundo é uma condição e não um desiderato
final. Uma condição que, ostentando embora as características positivas das
sociedades que o integram, é, como condição genérica, algo a ser superado,
precisamente pelas formas genuínas de desenvolvimento. Mas estas requerem o
realismo da própria condição e o pleno entendimento de que a superação do
subdesenvolvimento não se logra por ardilosos transbordos, ou mudanças de
vestuário, mas por estruturais modificações das relações produtivas, doméstica
e internacionalmente.
Essa
nossa condição de país do Terceiro Mundo nos deve, por isso, entre outras
consequências, conduzir a uma ativa contribuição no sentido de preservar e
ampliar a margem de autonomia internacional e de não alinhamento automático com
qualquer das superpotências. Não importa, para o caso se, como sociedade
ocidental, nossa avaliação dos dois blocos em confronto é favorável, sócio
culturalmente, ao bloco ocidental. Não está em jogo, para esses efeitos, nossos
compromissos com os valores do Ocidente e o estilo de vida deles decorrentes. O
que está em jogo, sob esse aspecto, é uma mecânica internacional do poder onde,
independentemente de nossas preferências culturais, temos de compreender,
lucidamente, que nossa margem de autonomia depende da medida em que persista um
básico equilíbrio internacional entre as superpotências, e só em tais condições
pode se expandir.
Na
verdade, num mundo marcado pela capacidade de recíproca aniquilação de que
estão revestidas as duas superpotências, somente a emergência e o
fortalecimento de um terceiro grupo de países, genuinamente interessados na
preservação da paz e na instauração de uma ordem mundial mais equânime, poderá
salvar o mundo de sua autodestruição e conduzi-lo a uma ordenação pacífica e
consensual, optimizante para todos os povos.
Brasil, Mundo e Homem na Atualidade
"Hélio Jaguaribe"
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